voltar para casa

Conversas sobre o luto.

laryssa andrade
2 min readJun 15, 2023

O luto antigo se tornou triplamente real e, por algum motivo, os acontecimentos dos últimos meses trouxeram para perto medos específicos. Perdi dois tios próximos em um intervalo curto e, nesse tempo, um dos atos simbólicos responsáveis por trazer um pouco de afeto foi reparar a minha tia organizando um quadro. Nele, fotos da minha avó e agora também dos meus tios. Deixamos esse quadro na entrada da casa do meu avô. Antes de passarmos a porta, olhamos bem para os olhos da mãe e seus filhos. Em um ato carinhoso, o meu coração pede a bênção aos três e em seguida volto para a realidade. Passo a porta e, enfim, me deparo com o novo que aprendemos a observar.

A casa do meu avô se tornou grande, mas quando estamos juntos ela parece a mesma casa onde todos cresceram. Hoje, entrar em cada cômodo parece menos estranho, mas é impossível os meus sentidos não me transportarem para um tempo de presença, quando eu tinha avó, tios, avô, juntos. Quase como uma unidade, antes de tudo ser caco, estilhaço, caminhos diferentes.

Hoje, quem me ajuda a reparar nesses cantos silenciosos é a fotografia. Todos os dias entendo um pouco mais o tanto que ela me auxilia a reorganizar essa casa em meu peito. A retirar da cabeça a imagem de sofrimento, gemidos de dor e choros. Pouco a pouco as paredes começam a ter outros tons, os quadros outros sentidos, as mantas de cama outros cheiros. Tudo começa a ser vida como sempre foi: contínua, passageira, caminhante.

O rosto de Fátima, fotografia autoral, 2023

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