o mínimo — Segundo andar #03

relato sobre a pandemia vivida dentro de um quarto branco, um ano depois

laryssa andrade
2 min readAug 31, 2021

“Vocês estão proibidos de sair daqui”, foi o que ouvi de uma enfermeira ano passado quando precisei acompanhar um familiar durante uma internação. Ao nosso lado, um senhor nos fazia companhia juntamente com a esposa.

O quarto era pequeno e claro, apesar de não possuir janelas. Tínhamos notícias da rua pelo pequeno espaço de vidro que ficava na porta. Víamos vultos de profissionais e as escadas, quando alguém entrava para nos auxiliar com medicações, alimentação e limpeza. Além disso, silêncio.

A verdade é que a internação por covid-19 é solitária. Você começa a supor sobre tudo. Eu levei comigo uma caderneta vermelha, mas nenhum livro. Escrevia, ouvia alguma música, sonhava em voltar pra casa. Mas tem uma hora que você começa a supor diversas coisas, inclusive a possibilidade de não voltar mais.

Você sente a sua vida sob outra perspectiva. Passa a não planejar nada, sente raiva. Você quer sair e contar aos outros como a vida realmente é. Como o vírus realmente é.

Hoje sinto que o sentimento de “não aguentar mais” é o mínimo que poderíamos sentir, mesmo que comecem a pensar que não.

Na ausência de imagens do quarto branco, um registro da recepção do mesmo hospital | Foto: Laryssa Andrade

A velocidade em que estamos sentindo as coisas é cruel. Isso é tão real, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) não considera mais que somente o contágio tem nos atingido. São os estresses causados pelas desigualdades socioeconômicas e transtornos psiquiátricos que têm nos afetado diretamente. Especialistas apontam que as questões mentais durante a pandemia se comparam a uma quarta onda da covid-19. Precisamos estar atentos para separar esse tipo de compreensão.

“segundo andar” é uma série sobre as minhas vivências pessoais — com familiares e outras pessoas — no hospital, desde 2019, a partir do início do tratamento de hemodiálise de um dos nossos.

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laryssa andrade

fotógrafa que escreve cotidianos e outras memórias.