Memórias na mala — Segundo andar #02
em 2018, casas de bairros maceioenses foram abaladas por tremores de terra e famílias tiveram as suas realidades alteradas para sempre. Em um dia andando por um desses bairros e quase próxima ao meu destino, ouvi o diálogo de uma criança com a sua mãe. Encontrei essa conversa registrada no bloco de notas do meu celular
“Hoje fui ao hospital sanatório por uma rua diferente do habitual. apressei os passos já que a rua estava um pouco vazia. debaixo de muito sol e pouca sombra, fiquei dividindo espaço com uma mãe e sua filha (que aparentava ter entre seis e oito anos). Ela vestia um vestido cor-de-cosa e segurava uma boneca com uma das mãos, a outra, buscava apoio na mão esquerda da mãe.
A menina pôs fim ao caminhar silencioso perguntando:
— Mamãe, por que as pessoas estão saindo [das suas casas]?
— Porque o solo está com problemas, minha filha.
— O que é solo? É água?
— Não, filha.
— Ah, mãe… eles [a Braskem, mineradora responsável pelo desastre] vão derrubar tudo e deixar como a praia, né?
— Sim.
E segui o meu caminho, mas dessa vez com o coração partido.
Maceió, 10 de outubro de 2020”.
“segundo andar” é uma série sobre as minhas vivências pessoais — com familiares e outras pessoas — no hospital, desde 2019, a partir do início do tratamento de hemodiálise de um dos nossos.